Maritacas

  • Revoada de maritacas - foto: Luis Carlos Martinelli


Maritacas

Sempre gostei de ouvir o som das maritacas. Em cada cidade que moro a trabalho parece que elas se movem em ritmo diferente, algumas correm para se recolher mais cedo, enquanto outras atrasam cinco a dez minutos. Adoro tentar ver no céu o desenho das maritacas. Em São João del Rey elas acolhiam meu breve sonho no findar cansado das tardes a partilhar Clarice, Euclides e Machado.  Aqui em Pequeri escrevo, trabalho e ouço cada vez mais nítidas e agudas as maritacas. George Gachot certa vez tentou filmar o perfume da memória. Eu avassaladoramente, instintivamente, as vezes anarquicamente trago os sons das memórias. Da primeira mais pura e sedenta sucção ao sugar a vida no seio da mãe, matter de vida, adiante com o peito cheio de ar de fantasia. As maritacas são meu perfume de lembranças e sonho de voo. 

- Daniela Aragão (3 de maio de 2022)

Fragmento 2

  • Esquilo cheirando flor amarela, em imagem capturada pelo fotógrafo holandês — foto: Dick van Duijn


Fragmento 2

Pé na terra, olhar por todas as filigranas de verdes, cheirar as flores. Deixar que as texturas do vento, desarrumem todos os tecidos da pele e seus contornos. Abraço nos cachorros, afago nos gatos. Contemplação de passarinhos e sorriso com o saltitar das pererecas. Folhas brancas amassadas, rasuradas. Concreto. É lento, refletido, doído, solitário o percurso de tentativa de equilíbrio.

- Daniela Aragão (17.3.2017)

Sapos

  • Sapo - foto: Mauro Teixeira Junior

Sapos

Deixei a noite cair sobre meus olhos. O frio umedece a face gelada e o gramado avermelhado reproduz como espelho o fim da tarde rubra com lampejos azuis. Voltei para perto dos sapos no Bairro Floresta, animal de apreciação de Jorge Amado. Gosto de ver os saltos e o descompromisso com qualquer invasor humano. Sapo grande, sapo médio, sapo pequeno. Bailarino hábil a se lambuzar na poça. Na casa de Jorge Amado o piso todo em madeira crua é gostoso de sentir, me evoca a memória de meus pés com as sapatilhas de ponta no movimento do relevè com as mãos fortemente fixas sobre a barra.

Vou trazer para plantar Dama da Note, minha for do samba.

- Daniela Aragão (3.7.2022)

E daí

 


E daí

Quanto mais me entranho nas montanhas de Minas, em seus silêncios, mistérios e labirintos, mais entendo a minha música, os meus amores, os meus fascínios, os meus amigos, os meus cofres de sonhos, medos e segredos. Quanto mais me embaralho, com mais domínio das vísceras de suas estradas pedregosas de ouros, diamantes, terras, verdes, rezas. Mais me recolho e me expando. Quanto mais vejo as nuvens que acinzeantam o céu de maio, mais entendo os floresceres de sóis em seus diferentes nichos e estados. E daí? Daí Milton expande por todos os poros.

- Daniela Aragão (6.5.2017)

Ritmo



Ritmo
O ritmo é a condução de tudo na existência. O batimento do coração, a pulsação, a dança do sangue. A condução do movimento único de cada um com sua respiração e entremear de braços e pernas e olhos e ouvidos. Faço uma seleta de artigos acadêmicos-literários, para adentrar nestes dias. No primeiro olhar, diante de cada parágrafo, de cada autor, uma respiração única. Uma vírgula sob suspeita. Sei lá, pode ser que no final da semana minhas impressões tenham mudado consideravelmente. Mas, a respiração de cada um é única e por isso muito inquietante e interessante. Sei lá, hoje estou em paz com a literatura sob receita. Amanhã, pode ser que não.
- Daniela Aragão (31/5/2017)